Sentei-me para te ouvir falar
Sentei-me para te ouvir. Sentei-me sem pressa e sem prazo. Sentei-me diante de quem és e olho-te, sem esperar mais do que o que tu tenhas para dizer.
E a conversa chega. As palavras desfiam-se primeiro a pouco e pouco, depois mais encadeadas, mais velozes, mais intensas. Ou, às vezes, logo ao sabor de uma rabanada de vento que te põe emoções nos olhos e no timbre de voz.
E tu falas. Desde dentro. Uma história, a tua história. Ou um pedaço dela, um episódio forte, ou espantoso ou inquietante, uma marca que veio e ficou. Falas de ti. Do que és, do que vives, ou do que viveste e te fez quem és.
E eu ouço as tuas palavras e ouço as tuas emoções e ouço a forma como te entusiasmas ou te ressentes. Vejo-te a pensar no que vem a seguir ou a surpreender-te com o que acabou de te sair da boca em forma de letras juntas, a formarem uma ideia que ainda nem sabias que deambulava aí. Ou que já aí guardavas mas ainda não tinha ganho corpo físico de “palavra dita”.
Desenrolas parte de ti, ou parte de uma parte de ti enquanto falas. Contas-te. E contas-te-me.
E só por isso, eu fico aqui. Sentada. Sentada para te ouvir a alma em palavras. Sem pressa nem prazo. Só grata por confiares nos meus ouvidos e no fundo onde todas essas palavras vão cair. Por saberes que soltaste amarras de um qualquer filtro e que depositas em mim, aqui sentada, as coisas que quiseste contar. Não penso porque é que me escolheste para ouvir. Porque não creio que tenhas escolhido, pois não? Aconteceu. Foi. Foi assim. De repente estávamos, estava-se e chegou.
Ouvir e falar são fios bem atados de uma meada que não temos sempre tempo de dobar. Ouvir e falar são espaço de ser. Um espaço que se torna apertado o suficiente entre quem o partilha e amplo o suficiente para fluir sem limites.
Ouvir precisa de mim aqui sentada, sem a pressa e o prazo que nos pomos para quase tudo. Só a vontade de estar, ficar, receber e dar, ouvindo.
Por esse tempo, por essa qualidade de ser, por essa magia não esotérica que se forma quando nos damos tempo à partilha, ao querer saber, ao importar-se com, pela capacidade de ouvirmos, de nos ouvirmos, escrevo este texto.
Inspirado por duas conversas com duas mulheres fortes que se me sentaram à frente numa semana normal. E dedicado a tudo o que apre(e)ndi sobre vida e sobre ser(es), ao longo de anos de conversas de jardins, de mesas de café, de comboios e aviões, em espanhol, em inglês, em português, com gente que guardei e gente que não voltei a ver. Conversas que aconteceram só porque eu estava ali. Sentada. Porque me sentei para as ouvir.
Para que o ouvir não se perca nunca. Para lembrar que o sentar-se para ouvir falar tem mais ganho de vida do que perda de tempo.
Sentei-me para te ouvir falar. E fiquei.
(Text originally written in Portuguese)
Photo by Nuno Rosa