Não esperes que a morte te separe de quem gostas para ter saudades e vontade de partilhar um café a dois. Não esperes que uma lesão no menisco te faça dar valor ao poder levantar-te cada manhã e caminhar ou saltar. Não esperes por um cancro para mudar para uma vida com mais tempo para ti e para quem gostas. Não esperes por perder tudo para arriscar tudo.
Não esperes estar doente para valorizar a saúde, ver a morte para valorizar a vida, estar às escuras para dar valor ao sol.
Não esperes.
É a cada dia, em que as coisas funcionam e em que tudo está bem, mesmo não estando excelente, que se constrói a beleza dos dias. É enquanto as temos, que importa dar valor às coisas. Não esperes a perdê-las para lhes sentir a falta. Agradece, reconhece, fortalece-te enquanto estão na tua mão.
Eu não quero esperar por ver a morte para valorizar a vida que se estende cada manhã na janela e para lhe estar grata. E cada dia se vive, com mais ou menos ânimo, com maior ou menor energia, com mais ou menos alegria, de acordo com o possível a cada momento. Mas com o máximo que aquele momento o permite. Nem menos uma gota.
E se o dia me chove em cima e perco o bilhete de autocarro, se recebo uma factura errada e a reunião não corre bem, não vou desenrolar as bandeirinhas de festa entre a sala e a cozinha. Talvez até nem cante nem mime o gato nem sorria ao passar na frutaria. Mas, ainda assim, é um dia, um dia meu, um dia de vida. E mesmo sem as bandeirinhas ou os ré maiores na voz, sinto a vida correr nos minutos. A nuvem negra vai acabar por sair de cima e servir de degrau de apoio, daqueles que se usam quando se tem assim um metro e meio e não se chega à prateleira mais alta do corredor. Vejo a nuvem chover-me em cima e espero que passe. E agradeço que, pelo menos, não me troveje.
Não espero que me contem histórias de superação para me fazerem dar valor à saúde e ao estilo de vida simples que tenho. Não espero por ver histórias de dor de longe para reconhecer a paz em que vivo. Não espero por ver estatísticas sobre a fome no mundo para saborear cada pedaço de refeição.
Não preciso de ver o pior para saber que, no meu imperfeito e incompleto mundo, tenho tudo.
Por isso digo "Não esperes". Digo-o a mim mesma. Não esperes, Edite, por nada que te faça dar valor ao que hoje já tens. E que já está disponível para valorização. Agora mesmo. Neste momento preciso. Como um bilhete para concerto já à venda. É só ir e comprar. E desfrutar.
O desfrute dos dias, bons, maus ou mais-ou-menos, também já está disponível e é nele que encontro o sentido para o que acontece e, sobretudo, para o que faço acontecer.
Faz acontecer. Hoje, agora. Como estiveres, com o que souberes. Com a simplicidade de quem está vivo e se move com o que tem. Nem mais, nem menos.
E cada pouco é tudo. Porque a cada momento, não deixando de procurar melhor e de querer chegar mais longe, já estamos em algum lugar. E esse lugar, o presente e o agora, são os refúgios do que se é, enquanto não se chega ao que se quer ser/ter.
Nesse refúgio perfeito, descanso e saboreio. Um arroz de pato com bacon ou uma açorda feita com pão seco. Mas saboreio. Sempre. E sem esperar.
Celebra e não esperes. Que o "Agora" já chegou.
(Inspirado por uma conversa com a Tânia Moreira, numa tarde de sol).
(Text originally written in Portuguese)