Nunca sintas que perdes tempo por olhar para o lado
Agora podes – agora deves! – deixar-te distrair com a vida, olhá-la quando e como te apetece, aprender do não óbvio e daquilo que te interessa.
Agora podes até interessar-te pelo que te interessa e ir atrás de mais.
Agora podes espreitar o que os outros fizeram, o que os outros fazem e aprender deles, com eles.
Agora podes. Agora é o agora.
Agora podes sacudir as vozes do “tem que ser” de vez em quando e ouvir os sons do “apetece-me tanto…”. E seguir esse apetite, desde que esse apetite te faça crescer mais do que a barriga.
Temos poucos anos de vida, temos demasiado poucos anos de vida para tudo o que há por fazer. É preciso mudar o mundo, ver as moscas, espreitar pela janela. É preciso amar com amor do bom, apreciar corpos diferentes, ler, ler, ler até ao infinito das ideias que nos entrem pela cabeça.
É preciso rir alto, apertar mãos, aprender coisas estapafúrdias e ouvir músicas que nos façam ouvir mais alto o que nos dizem os pensamentos.
O tempo é pouco, a vida é muito e é grande e o mundo não nos cabe todo dentro se não o formos deixando entrar um pouco, um pouco mais todos os dias.
Agora é permitido perder tempo para explorar uma exposição de fotografias que nos fascina, para ver um quadro da casa de um amigo que tem as cores que mais nos mexem. Agora é permitido deixarmos queimar o arroz porque nos pusemos a rodopiar na cozinha ou porque ficamos a ver um bando de gaivotas que passou perto da janela.
E sabes, sabes porque te digo isto? Porque tenho aqui ao lado uma lista de to do’s para este pedaço de manhã do tamanho da lista de compras para um jantar real. E porque, mesmo assim, abri um site de um projeto de imagens de vidas de pessoas que fez a minha mente voar tão alto e tão depressa, que de repente o urgente não era assim tão urgente. O urgente era ver aquilo, sentir aquilo, entender aquilo. E nesses minutos em que atrasei o trabalho, o meu cérebro esticou e a alma que lhe vai dentro agrandou. Só por sentir mais. Só por estar ali toda, com a atenção a absorver material que me interessa mais do que os trabalhos de casa que a professora vida mandou.
Por isso agora olho para o lado, vejo as moscas, espreito a janela, mando bilhetinhos em folhas mal-amanhadas e interrompo a escrita do e-mail com o vosso material da aula para dar ouvidos e olhos ao que me faz saborear a vida. Porque o urgente vai passar, e o que me vai ficar dentro é só e só o que é mesmo importante.
E achei que, mais do que o e-mail de material de aula que vos devo, vos devia realmente o tempo de parar e deixar por escrito estes gatafunhos de sentires.
Não, não é ser e incentivar a ser irresponsável com as obrigações. É ser e partilhar esta necessidade de usar o tempo para crescer, pensando em outros e dando-lhes o que temos de melhor. E hoje, os outros são vocês e o que tinha de melhor para vos dar era este tempo passado a pensar em como sentir mais o tempo e os dias de vida.
A senhora professora virou as costas. Aproveitem agora para copiar. A vida está aí, de fora da janela, nas asas dessa mosca e nas riscas desse papel manhoso de fazer bilhetinhos.
(Dedicado a um grupo de alunos do curso de “Perfil Empreendedor”, que me agarrou a alma em partilhas).
(Text originally written in Portuguese)