E tudo o que precisas é de um fósforo. Um fósforo para a acender. Para que a vela fique acesa e continue tudo o que lhe deste e dás. Coisa simples.Um fósforo.
O que é que há-de custar?
Abres a caixa, tiras um, cabeça vermelha, pronta a riscar-se sobre a lixa que lhe vai dar brilho. Tarefa fácil. Não tarda nada o fósforo risca, a chama acende, o palito chega-se à vela, a vela dá lume e está tudo bem e como querias.
Abres então a caixa, tiras um fósforo. Não pensas que precisarás de mais do que um.
Nem pensas.
ZAS!
E o fósforo partiu-se. (Constróis um mail perfeito para os clientes que te decides a contactar numa estratégia de marketing em que decides apostar, mesmo sem adorar a ideia, mas para provar tudo o que for possível e o mail, como percebes depois de o teres enviado a todos, não abre nem em Iphones e Ipads).
O fósforo vai para o lixo.
ZAS!
O fósforo salta e cai no chão, perde-se na rua. (A companhia telefónica enganou-se e mudou-te de operadora, mesmo tendo tu anulado a mudança a tempo; ficas sem telefone no estrangeiro e sem poder fazer nada de nada porque o número de apoio ao cliente não funciona fora do país).
E mais um fósforo perdido.
Aborrecido, mas acontece. Há mais fósforos.
Tiras mais um e riscas a lixa com força.
ZAS!
A cabeça vermelha do dito salta. Fósforo morto. (A empresa com quem tinhas reunião liga-te num momento em que o teu telefone teve um problema e acabam numa conversa de Skype com tão má conexão que a paciência do outro lado se esgota e só não te manda às malvas porque ainda não te conhece a cara. Nem vai conhecer, está visto. Despede-se a voar e acaba ali a coisa).
Outro fósforo à vida.
Já a começar a mexer-te no lugar, abres a caixa com força, tiras mais um fósforo, já sem gostar da brincadeira. Bufas.
ZAS!
O fósforo até acende, mas vem um ventozinho e apaga-o. (Percebes que todos os projetos que enviaste nos últimos tempos ficaram guardados em gavetas alheias invisíveis que parecem não abrir nem com uma alavanca. Chega o IVA trimestral para pagar e percebes com alegria não tens nada a pagar. Porque não recebeste nada. Nem sabes quando vais receber).
Outro fósforo que se foi.
Outro fósforo. E já vociferas, praguejas e chamas uns nomes nada bons à coisa.
ZAS!
Começou a chover nesse momento, apagou-se a chamazinha que lá tinha acendido. (Veio a carta do registo da tua marca: uma objecão impede-te de a registar. Perdeste o processo. Revês e retomas e insistes e recomeças do zero).
E nesse momento, olhas para a caixa e passas-te um bom bocado.
Afinal precisavas de vários fósforos....
Mas, caramba! A caixa não estava cheia?
Resta-te um. Dás o tudo por tudo. É o último fósforo, pensas. Se este falhar, a chama não vem, o fósforo não chega e a vela fica por acender.
Raspas o dito na dita, e vem um cão e come-o. Acabou o fósforo.
E nesse momento, nesse momento só tens vontade de pegar na caixa e de a comer tu! E de a rasgar, morder, amassar, estralhaçar, chutar, atirar para tão longe que nem saibas quão longe foi. Pegar na caixa e deixá-la cair.
Era só acender uma vela! Era só acender um fósforo, para acender uma vela, para manter uma boa ideia - pensas tu - a rolar!
É pedir muito?!
E então pousas tudo: a caixa, os fósforos estragados, os perdidos e os partidos.Pousas tudo.
Sentas-te numa almofada no chão, de pernas cruzadas, numa sala quente, com comida para picar numa mesa baixinha, com amigos de vários lugares - todos eles do coração- e vêem um filme divertido juntos, num fim de noite. Riem-se do mesmo, deixam a cabeça voar para um mesmo lugar, divertem-se com as personagens alheias a qualquer realidade, dançam com a música do final.
E então percebes, no momento em que vais à varanda depois de recolher os pratos desse jantarinho e enquanto dentro ainda se ouve a música do genérico, que a vela está acesa.
Sentes o frio na pele, a saúde no teu corpo, admiras a paisagem cheia, embrulhas-te no casaco bom que te protege, afias os sentidos. E percebes que, naquele oásis de paz, naquele momento curto, está de novo tudo bem.
E que a vela, afinal, já estava a brilhar.
Os fósforos podem continuar a falhar todos, pensas. A vela até pode brilhar com menos intensidade em alguns momentos. Mas a luz está acesa.
E, afinal, que se lixem os fósforos!
O isqueiro que a acendeu num momento inicial, esse que é feito da determinação de quem sabe que está a acender a vela certa, fez um trabalho danado de bom.
Que se lixem os fósforos, a vela está toda lá!
E entras de novo em casa, que lá fora está frio, e aqueces um chá para retemperar de tudo e celebrar.
(Num fogão elétrico, não vá o azar do lume alastrar-se das velas aos fogões!)
Edite Amorim, Limerick, 26 Outubro'14
(Text originally written in Portuguese and published at Fenther.net)