Parei porque a ação acontece e não dá tréguas de pensar no que está a acontecer. Antes o "Aconteceu" surge, fácil, a posteriori. Mas eu não quero viver a posteriori. Eu quero viver o momento, saborear o processo, consciente, presente e com intenção de perceber o que (me) acontece.
Por isso parei. E percebo no parar a chave do bom acontecer. O parar. As tardes em leitura de pés ao alto no sofá. Os intervalos de trabalho a ler banda desenhada. Os passeios de bicicleta ao regressar a casa. Os cafés tomados enquanto pinto com aguarelas que borratam. As conversas intermináveis sobre metafísicas ou futilidades. Os passeios ao fim da tarde a ver a praia dos pescadores. As viagens de comboio ou autocarro sem fazer nada, a ver, a ver... Ouvir uma playlist de música favorita a usar só a audição, imóvel ou a balançar os pés, devagar. Os postais e cartas escritos a amigos de longe, fazendo-os perto, pensando-os, contando-lhes os processos de fora ou de dentro.
E a solidão. A capacidade para estar. Em mim. Presente. Intensa com intenção.
A solidão que valida o que veio de fora e que integra, se integra com o que já estava dentro.
Assim construo. Assim arranjo força, energia, para continuar a construir. Para continuar a trabalhar, a solo, num projeto que me exige presente, intensa, com intenção.
Empreender é saber parar, é saber estar no silêncio de dentro quando o trabalho é tão para fora.
E num trabalho como este, de comunicar e expressar, de apresentar e debater, de contactar e reformular, de ler e sistematizar, o momento de escuta torna-se imprescindível, evidente e necessário. A escuta dos silêncios que descansam, que sistematizam e que preparam para nova ação.
Empreender não é processo fácil. Mas é processo doce, ritmado, entregue e intenso, que enche de momentos os tempos que lhe entregamos.
E nesses momentos de ação, esteja a sintonia do silêncio presente, para equilibrar e sustentar as asas que insistem em querer voar.
(Text originally written in Portuguese)